Seminário Nacional sobre a Política de Desenvolvimento Urbano e os Planos Diretores Participativos

Nos próximos dias 12 e 13 de março ocorrerá em Aracaju, o Seminário sobre a Política de Desenvolvimento Urbano e os Planos Diretores Participativos. O Evento é promovido pelo Ministério da Cidade, juntamente com o Governo do Estado de Sergipe, a Prefeitura Municipal de Aracaju e a Câmara Municipal de Vereadores de Aracaju, com o apoio da Universidade Federal de Sergipe, Universidade Tiradentes e a SEGRASE – Serviços Gráficos de Sergipe.

Serão oito palestras no total, nas quais especialistas em desenvolvimento urbano, representantes de instituições e organizações que lidam com a temática abordarão questões relacionadas à mobilidade urbana e social, cidades sustentáveis, planos diretores de desenvolvimento urbano, política habitacional, política de transporte e a  universalização da acessibilidade.

A inscrição é gratuita, embora as vagas sejam limitadas a um total de 400 participantes. As informações estão disponíveis no portal do Ministério das Cidades, através do link.

Increva-se. Participe.

A Glória da urbanização: percepções sobre a cidade que temos e a cidade que queremos (I)

Edson Magalhães Bastos Júnior
Geógrafo, Especialista em Geoprocessamento

 Há alguns dias caminhava pela cidade de Nossa Senhora Glória, considerada como uma das cidades que mais cresce em Sergipe, observando a movimentação dos transeuntes em um típico Sábado de Feira Livre. Saia do bairro Divinéia, que representa a acrópole gloriense, em direção às áreas centrais da cidade, quando me deparei com uma paisagem que dava sinais de modificações recentes. A região conhecida como a “baixa”, nas vizinhanças do centro da cidade e de um bairro popular conhecido como Alto da Glória, estava completamente desnudada, ou como preferem alguns, “limpa”. A “baixa” é uma área que tem o relevo acidentado, com algumas encostas ocupadas por residências, cuja depressão forma uma espécie de caldeirão. Historicamente conservava uma vegetação exuberante, concentrando em sua parte mais baixa um charco sujeito a inundação em épocas de chuva intensa, que se conecta a um manancial de água, componente da bacia hidrográfica do Rio Sergipe.

 Observei a cena ao longe. O caldeirão tinha sido esvaziado e mais parecia que um ciclone havia passado por ali. Aguçando um pouco mais a visão foi possível perceber algumas faixas de terras marcadas por tratores sinalizando possíveis eixos de novos arruamentos que nasciam na parte mais alta da encosta e mergulhavam em direção ao fundo do caldeirão. No centro ainda era possível ver o um filete de água que testemunhava a origem do charco permanente. Pensei: novos lotes, afinal “Glória é a cidade que mais cresce em Sergipe”. Quanto valerão? Quem poderá pagar por eles? Algum tipo de obra de Engenharia será realizada antes ou eles serão construídos sobre o charco e sobre as encostas? Tentei divisar o futuro e imaginar como ficaria aquela paisagem daqui a 10 anos. Não consegui. Apenas continuava perplexo diante do “progresso” pretendido e praticado.

 Pensando sobre o fenômeno da urbanização, observei um impulso em refletir um pouco sobre o assunto, o que resultou nas linhas que compartilho aqui.

 Urbanização, crescimento e desenvolvimento das cidades

 Assim como em todos os aglomerados humanos espalhados pelo mundo contemporâneo, desde as megalópoles e metrópoles internacionais como Osaka-Tokio (Japão), NewYork-Filadéfia-Baltimore (Estados Unidos), ou Rio-São Paulo (Brasil) até as cidades de pequeno porte, a urbanização representa um dos fenômenos mais complexos da sociedade moderna. Embora suas raízes no tempo estejam muito afastadas de nós, constituindo-se um fenômeno antigo, presenciamos atualmente um grau de desenvolvimento tecnológico e científico que pouco a pouco vão transformando em realidade as paisagens futuristas dos livros e filmes que tiravam o fôlego da nossa geração de 1980, quando tudo isso não passava de ficção científica.

 A cidade se impõe como o símbolo de desenvolvimento e de progresso da civilização, em oposição ao meio rural, considerado no imaginário popular como atrasado e primitivo. Crescem em todas as suas dimensões: na expansão das áreas residenciais, no surgimento de novas áreas comerciais, na ampliação dos distritos industriais, na mudança do grau de uso e ocupação (como por exemplo, áreas residenciais que passam a se tornar comerciais, pela pressão da atividade econômica). Cresce o contingente populacional, a frota de veículos, as redes de infraestrutura para distribuição de água, saneamento básico, energia elétrica, telefonia e acesso à internet, dentre outras.

 Todo esse movimento complexo se desdobra diante dos nossos olhos e sustenta um discurso político que estabelece a urbanização como um fenômeno natural, relacionando-se crescimento urbano a uma melhoria direta da qualidade de vida da população, sob a bandeira do progresso econômico e social dos cidadãos.

 Entretanto, quase sempre acabamos ficando apenas com um lado da moeda. A urbanização tem muitas dimensões e é importante percebermos que ela não é controlada pelas forças da natureza. As leis que regem a urbanização não são as mesmas que explicam o clima e o relevo, não se constituindo, portanto, um fenômeno natural. Esse processo é conduzido e sustentado por atores humanos, grupos e organizações de poder político e econômico e a própria sociedade. Na ciência geográfica são conhecidos como agentes produtores do espaço urbano e influenciam diretamente o processo de crescimento das cidades, segundo um conjunto de interesses que nem (ou quase) sempre representam um crescimento na qualidade de vida dos cidadãos e na promoção do bem estar social tão propagado no discurso do desenvolvimento.

 Aliás, nesse debate, desenvolvimento e crescimento são conceitos tão distorcidos entre si que muitas vezes a sociedade acaba tomando-os como sinônimos, quando o desenvolvimento urbano é algo mais complexo que não implica apenas a expansão pura e simples de novos loteamentos, novos arruamentos, nova iluminação pública, novas praças e quaisquer novas “obras” físicas. O desenvolvimento pleno da cidade deve considerar as dimensões social, econômica, cultural e ambiental, e deve conferir aos cidadãos o que os cientistas sociais denominam de Direito à Cidade, que, de modo bem simplório, está relacionado ao desenvolvimento da consciência cidadã para decidir junto com os representantes governamentais, sobre o destino da cidade. Afinal de contas, para conhecer o outro lado da moeda da urbanização, basta observarmos os índices de violência nas grandes cidades, os problemas ambientais e de saúde pública, o crescimento de zonas ou bolsões de pobreza, que dispõe de pouca ou nenhuma cobertura de serviços básicos, ferindo o que dispõe a própria Constituição Federal sobre os direitos fundamentais do indivíduo.

Os avanços na legislação foram extremamente importantes, principalmente com o Estatuto das Cidades que contém diretrizes para a gestão das políticas públicas para o desenvolvimento urbano. É lá por exemplo que temos referência à necessidade de que os municípios elaborem seus Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano (PDDU). Entretanto, é grande o descompasso entre a teoria e a prática, porque infelizmente ainda impera a cultura da obrigatoriedade e os municípios investem recursos para elaboração de um documento que muitas vezes serve de decoração para a gaveta mais baixa do arquivo público, e não como instrumento de gestão e desenvolvimento local, de justiça e cidadania.

 Passada a obrigatoriedade legal, a cidade continua crescendo seguindo a lógica da especulação imobiliária, dos interesses de grupos econômicos, mantendo a população absolutamente alijada do processo, conduzida como massa humana num joguete que beneficia poucos em detrimento da maioria. É desta forma que áreas ambientalmente frágeis são ocupadas sem nenhum tipo de restrição, produzindo catástrofes e traumas sociais anunciados. Quem não recorda dos episódios ocorridos na região serrana do Rio de Janeiro em 2011, que deixou o Brasil inteiro perplexo diante da impotência dos mecanismos humanos no esforço de garantir a segurança da população afetada por aquelas série de deslizamentos e escorregamentos em encostas que nunca tiveram condição alguma de ocupação humana.

Quanto vale um lote urbano em uma área de expansão? E em uma área central? Quanto vale abrir novas vias que conduzem a esses novos loteamentos? Agora precisamos nos perguntar: quanto vale as vidas das populações que habitam áreas ambientalmente e socialmente precárias? ? Quanto vale a degradação dos rios, seja pela destruição de seu curso com o aterramento para criação de lotes e vias de acesso público, seja pelo descarte de volumes de esgotamento sanitário em rios e mananciais de água? Quanto vale a ausência dos cientistas de todas as áreas e da população em geral discutindo o planejamento urbano e pensando o futuro da cidade?

 E o caldeirão?

 Ontem, passei novamente pela nova área residencial da nossa gloriosa cidade. Alguns lotes já estão demarcados, e em alguns dias, novos alicerces começarão a subir. Não devem subir tanto quanto os preços, é claro. Fico me perguntando quais serão os próximos eventos desse fenômeno “natural(izado)”. Qual será o papel do poder público nesse processo? E o nosso? Qual será? Pensemos.